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DOCEIRA DOMÉSTICA Esta obra foi comercializada pela Livraria Americana de Carlos Pinto & Comp., Casa editora e importadora, Fundada em Pelotas em 1874 e filial em Porto Alegre em 1879. No selo aposto na contracapa a Livraria Americana avisava a sua seleta clientela: "Não se fia positivamente A NINGUÉM” (sic). O editor no seu Prólogo apresenta a obra com o seguinte texto que parece encomendado pela sociedade pelotense: “A Doceira Doméstica é a primeira parte de uma série de livros que a autora tem entre mãos e a que pretende dar o nome de Biblioteca da dona de casa brasileira. É provérbio antigo e muito certo, que a economia é a origem da riqueza, e ninguém ignora que dos poucos fazem-se muitos; ao mesmo tempo que nas nossas casas há outra perfeição e asseio nessas gulodices que tanto agradam aos maridos e aos filhos, e por isso, e em atenção a todas essas conveniências, nada poupou a autora para que nesta Doceira Doméstica a dona de casa brasileira encontre, não somente as boas sobremesas, como o suficiente para poder apresentar nos seus chás, em noites de soirées, batizados, partidas etc., o bastante para obsequiar os seus convidados.” Nas primeiras décadas dos oitocentos a tradição doceira foi se formando a partir dos costumes trazidos pelos imigrantes e colonizadores portugueses que povoaram e industrializaram nas margens do Pelotas, vindos da Vila de Rio Grande, da Colônia do Sacramento, do centro do país ou da Europa. Entretanto, na segunda metade do século XIX as donas de casa, já radicadas na zona urbana de Pelotas, estavam a par do que havia de melhor na doçaria européia através de publicações nacionais editadas no Rio de Janeiro e oferecidas nos armários das livrarias pelotenses. Para obtenção dos melhores açucares e farinhas na época não faltavam recursos na economia do charque, nem fornecedores nacionais mais ao norte ou estrangeiros. Nestas circunstâncias firmou-se a tradição dos requintados doces artesanais caseiros oferecidos nos refinados salões da cidade.
COZINHEIRO NACIONAL O prólogo do Cozinheiro Nacional é um verdadeiro manifesto nacionalista com o cívico propósito de libertar a mesa brasileira do jugo cultural estrangeiro. Através da culinária se expressam os gostos, os sentidos e o estado de alma de um povo. Vale a pena ler na íntegra a parte inicial deste prólogo, que deixa claro o objetivo dos autores: “Cozinheiro Nacional” tal é o título que escolhemos para esta nossa obra; e quão grandes são as obrigações que ele nos impõe! Não iremos por certo copiar servilmente os livros de cozinha que pululam nas livrarias estrangeiras, dando-lhes apenas o cunho nacional, pela linguagem em que escrevemos; nem tão pouco capeando a nossa obra com um rótulo falso, iremos traduzir literalmente livros que se encontram em todos os paises, tomando a estranha vereda de um plagiato vil que venha cortar pela raiz a importância que ligamos ao nosso trabalho e a utilidade que o público tem direito de esperar dela. Nosso dever é outro; nosso fim tem mais alcance; e uma vez que demos o título “nacional” à nossa obra, julgamos ter contraído um compromisso solene, qual o de apresentarmos uma cozinha em tudo Brasileira, isto é: indicarmos os meios por que se preparam no país as carnes dos inúmeros mamíferos que povoam suas matas e percorrem seus campos; aves que habitam seus climas diversos; peixes que sulcam seus rios e mares; répteis, que se deslizam por baixo de suas gigantescas florestas, e finalmente imensos vegetais e raízes que a natureza com mão liberal e pródiga, espontaneamente derramou sobre seu solo abençoado; mamíferos, aves, peixes, répteis, plantas e raízes inteiramente diferentes dos da Europa, em sabor, aspecto, forma e virtude, e que por conseguinte exigem preparações peculiares, adubos e acepipes especiais, que somente se encontram no lugar em que abundam aquelas substâncias, e que são reclamados pela natureza, pelos costumes e ocupações dos seus habitantes. Tal é a espinhosa tarefa que pesa sobre nós. Declinando de entrarmos em longas divagações a respeito da arte culinária, sem querermos outrossim, copiar ou traduzir encômios feitos a esta tão útil quão importante especialidade da vida doméstica, vamos imediatamente entrar ao assunto que nos ocupa. Somos os primeiros a reconhecer que apesar de nossos melhores esforços, ficamos muito aquém da meta a que desejávamos atingir; mas ficar-nos-á pelo menos a satisfação de termos trilhado um novo caminho, que outros mais recomendados do que nós, percorrerão com vantagem e mais feliz sucesso. E se é verdade o que dizem muitos filósofos, que a arte culinária é a bitola que serve para marcar o grau a que se tem elevado a civilização de um povo, (como o termômetro indica a elevação do calor atmosférico), seremos forçados a tirar a ilação necessária, que mesmo debaixo deste ponto de vista, o Brasil ocupa um lugar honroso entre as nações cultas e civilizadas, pela apresentação de um livro em que se acham enumerados os diversos adubos de suas imensas produções. É tempo que este país se emancipe da tutela européia debaixo da qual tem vivido até hoje; é tempo que ele se apresente com seu caráter natural, livre e independente de influências estrangeiras, guisando a seu modo os inúmeros produtos de sua flora, as esquisitas e delicadas carnes de sua tão variada fauna, acabando por uma vez com este anacronismo de acomodar-se com livros estrangeiros, que ensinam a preparação de substâncias que não se encontram no país; ou só custosamente podem ser alcançadas. Demais somos todos os dias testemunhas das mistificações por que passam continuamente as pessoas que querem aperfeiçoar suas preparações culinárias; mandam comprar um livro que os guie, e acham-se imediatamente embaraçadas à vista da longa enumeração das substâncias, que desconhecem e que não existem no país. Vêem-se portanto forçadas a renunciar semelhante obra que lhes fala de tubaras, cogumelos, alcaparras, objetos estes que nunca viram, nem podem alcançar, e cuja substituição não sabem fazer; da mesma maneira falam em faisão, cotovia, galinhola, lebre, truta, tenca, salmão, carpa etc., sem nem sequer dar o nome do animal do Brasil que lhes corresponda, e cuja preparação possa ser idêntica. É este motivo por que sem desprezarmos as substâncias da Europa, indicadas em todos os livros que tratam desta matéria, lhes ajuntamos as do país, de sorte que à primeira vista conhecer-se-á que todas as caças, peixes, legumes e frutas que se encontrarem reunidos em um só artigo, não só se preparam da mesma maneira, mas ainda podem ser substituídos uns pelos outros. |
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