PELOTAS, CAPITAL NACIONAL DO DOCE

Michele Dutra da Silveira
Prefeitura Municipal de Pelotas − Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico
Departamento de Turismo
Rua Lobo da Costa, 1274. CEP 96010−150 − Pelotas/RS − Brasil
micawdutra@yahoo.com.br

     É difícil definir quando exatamente os doces surgiram em Pelotas. Sabe−se que sua origem teve influência de Portugal, país onde era intensa a produção de tais guloseimas. Os doces foram introduzidos pelos lusos por volta do início do século XIX e em Pelotas aproximadamente na década de 1860, quando começa o período de apogeu do município de Pelotas. De 1860 a 1890 os investimentos dos charqueadores foram intensos em atividades de cunho cultural que caracterizaram, durante anos, Pelotas como a cidade mais aristocrática do Estado do Rio Grande do Sul (RS).
    Melhores condições para a dedicação ao lazer dos cidadãos pelotenses eram provenientes principalmente pelo acúmulo de capital das atividades saladeiris as quais ocorriam apenas entre os meses de novembro a abril. O constante contato com a Europa através da exportação do charque, cujos navios transportadores retornavam com os mais variados produtos e objetos, permitiu que a sociedade pelotense desenvolvesse práticas semelhantes àquelas que estavam presentes apenas nos modernos países europeus. Alguns estudos históricos comprovaram que, antes do ano de 1860, já havia indícios de salas de leitura e publicação de livros e jornais na cidade.
     Os saraus, companhias teatrais e as recitas musicais, entre outras atividades, tinham programações praticamente diárias no interior da arquitetura grandiosa de prédios e casarões. Os doces eram servidos nos intervalos destes saraus envolvidos em papéis de seda rendados e franjados. Sua produção era realizada de maneira caseira pelas mulheres e suas mucamas. Como existiam rigorosas regras de etiqueta na época, muitas atividades não poderiam ser desenvolvidas ao ar livre; as mulheres passaram então a praticar hábitos caseiros, com reconhecido destaque na culinária, bordado, música e pintura. Este fato, portanto, contribuiu para a intensa produção e aprimoramento dos doces em Pelotas.
     O açúcar utilizado nas mais variadas sobremesas, como os camafeus, bem−casados, fios−de−ovos, papos−de−anjo, ninhos e os pastéis de Santa Clara, era proveniente da região Nordeste do Brasil em troca do charque. Temerosas pela escassez deste ingrediente essencial, as escravas passaram a diminuir a quantidade de açúcar na produção dos doces, transformação a qual trouxe um diferencial que agradou muito ao paladar dos consumidores da época.

DOCEIRA DOMÉSTICA

     Em 1877, a Livraria de J.G. de Azevedo, estabelecida na Rua da Uruguaiana, nº. 33, no Rio de Janeiro, editava a “Segunda Edição Correta e Aumentada” do livro “DOCEIRA DOMÉSTICA ou Coleção de Receitas, pela maior parte novas, de Doces, Pudins, Tortas, Conservas, Pastéis, Licores, e em geral Tudo Quanto Pertence à Arte. . .

Saiba mais >>



     Conheça a Lei que declara os Doces de Pelotas como integrantes do Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul.

[Clique aqui]

 

 

     Outro fato que também contribuiu para a grande produção e consumo de doces em Pelotas foram as próprias charqueadas. Conforme [Magalhães, 2001], a sociedade pelotense procurou abrandar sua imagem rústica saladeiril através da adoção de requintados costumes, constantes atividades intelectuais e imponentes construções. Neste contexto é que o doce se insere, embora não como protagonista principal, pois a economia estava baseada no trabalho dos negros, na punição do escravo, na degola do boi e nas mantas de carne sob o calor do sol − atividades tipicamente das charqueadas. Enfim, Pelotas estava imersa no ciclo do sal, onde os rituais de castigo e de brutalidade eram amenizados pela produção de poesias rimadas, cortesias, amabilidades, saudações solenes e dedicatórias rebuscadas e veladamente sensuais.

     Entre diversos fatores, o fim da escravidão auxiliou no declíneo das charqueadas locais assim como o surgimento de uma maior concorrência devido a produção de charque em outros municípios do RS. O surgimento dos frigoríficos que dispensavam o processo de salga da carne acabaram fornecendo subsídios para uma forte projeção nacional dos doces pelotenses. A partir da década de 1920, passou−se a divulgar comercialmente em todo o Brasil a tradição doceira que até então estava restrita ao interior dos casarões. Aproximadamente nesta mesma época, os imigrantes alemães, pomeranos e franceses que viviam em Pelotas passaram a cultivar frutas de clima temperado − principalmente o pêssego − na região colonial de Pelotas. Esta, e demais frutas, começaram a ser comercializadas ao natural e também na forma de doces, geléias, conservas e pastas.
     Logo, os processos que envolveram o açúcar e o sal foram complementares para o progresso econômico e cultural de Pelotas. Embora a indústria local de doces e conservas ainda não tenha recuperado o desenvolvimento registrado no município entre 1860 a 1890, esta é uma tradição a qual faz parte da formação da identidade histórica da cidade que continua sendo estimulada em grande escala.
     Muitas receitas portuguesas trazidas pelos colonizadores e pelos navios transportadores do charque ainda são utilizadas pelas doceiras pelotenses. As transformações e criações de novas guloseimas agregaram ainda mais qualidade e valor aos produtos.

     É importante para Pelotas que sua história seja muito bem conhecida, preservada e difundida para a viabilização do melhor aproveitamento do potencial de sua tradição em contribuições de âmbito cultural, turístico e econômico. Este processo já tem obtido resultados positivos como a expressiva valorização da produção artesanal das doceiras que abastece grande parte das melhores Doçarias da cidade e o sucesso da organização anual do evento denominado FENADOCE − Feira Nacional do Doce.

Referência Bibliográfica
Magalhães, Mário Osório: Doces de Pelotas − Tradição e História. Armazém Literário, Pelotas, 2001.

Fonte: http://www.macs.hw.ac.uk/~anjos/downloads/artigo-doces-texto-final.pdf
School of Mathematical and Computer Sciences (MACS) – Edimburgo/Escócia – 23/06/2007


PELOTAS: CAPITAL NACIONAL DO DOCE

Thaís Miréa

    Muito além do açúcar, dos ovos e da farinha, a arte de fazer o doce - e todo o universo geográfico, étnico e histórico - será resgatada pelo Inventário Nacional de Referências Culturais - produção de doces tradicionais pelotenses, que busca o reconhecimento da cidade como Capital Nacional do Doce. A tradição centenária pode ser considerada patrimônio cultural imaterial brasileiro.
    Cada inovação, utensílio, documento, livro de receita ou influência étnica que contribuiu para que a produção fosse mantida viva como prática social é considerada fundamental ao resgate histórico da região e conseqüente valorização futura da atividade. Cada doceira ou confeiteiro deixou e ainda deixa a sua marca, assim como os diferentes povos inovaram nos ingredientes e maneiras de produzir as iguarias.
     Por meio da cultura doceira é possível discutir e conhecer Pelotas. De acordo com a coordenadora do projeto, Flávia Maria Silva Rieth, que é antropóloga e professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a tradição é viva e o caráter inventivo dos doces é prova disso. "O chocolate e o leite condensado são inovações, assim como o rural e o urbano, os doces finos e coloniais, as doceiras e os confeiteiros, que se misturam e possibilitam a formação de uma trama de relações sociais e o entendimento do significado que o doce tem no Município", disse.
     O estudo revelou também que pela trajetória da produção característica é possível pensar a cidade como um todo. "Nosso objetivo é a cultura dos doces de Pelotas e não apenas dos portugueses", afirmou a coordenadora. "Temos as contribuições italianas, alemãs, francesas e africanas. Além disso, temos as heranças da zona urbana, com os doces finos ou de bandeja, e da rural, com os coloniais e de frutas."

     No total foram catalogadas 101 referências diretas e indiretas no levantamento bibliográfico, mais de mil fotografias e cerca de 40 entrevistas com pessoas indicadas como conhecedoras legítimas dessa tradição. Todas as técnicas envolvidas na produção a serem inventariadas - seja artesanal, manufaturada ou industrial - foram apuradas. Com pêssego, por exemplo, foram identificadas 113 maneiras de fazer doces diferentes.
     Com base na metodologia do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o estudo foi realizado pelo laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia da UFPel com apoio da Secretaria Municipal de Cultura (Secult) e recursos financiados pela Unesco, por meio do Programa Monumenta. Duas etapas (preliminar e de identificação) já foram cumpridas. O projeto está agora na fase da documentação e os relatórios serão encaminhados à Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) em agosto, para posterior pedido de reconhecimento como patrimônio cultural no chamado Livro dos saberes, junto ao Iphan.

Fonte: Diário Popular/15ª Fenadoce – 10/07/2007

[Topo da página]

 

 

Webdesign e hospedagem por AMS Public