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Pode-se afirmar com segurança que a cidade de Pelotas teve sua origem na indústria do charque. Essa indústria não foi fugaz, efêmera, se bem que também não tenha podido se firmar em definitivo, até os dias de hoje como gostaria grande parte das pessoas que tomam ciência de nossa história. Mas essa indústria foi importante para uma época de pousos recursos, e quando a província não tinha nada mais para apresentar como meio de sustento capitalista. Era tempo de escravidão forte e os portugueses, que os charqueadores eram todos portugueses, souberam muito bem usar do artifício do sistema que aniquilava tanta gente brava e trabalhadora de cor preta, os escravos trazidos da África.
Muita coisa tem se dito sobre esses aspectos, mas acautelada por simpatia à etnia europeia na nossa história. Entretanto, entende-se que nada deva ficar incólume à ciência da verdade. O que aconteceu, aconteceu, não importando se é tetravô deste ou daquele amigo nosso, vizinho ou colega. Não deve haver lacunas de conhecimento. Que não se esconda nada de verdadeiro na história de Pelotas. E uma das verdades incontestáveis é que os charqueadores foram escravocratas ferrenhos, espoliadores e gananciosos.
Sobre esse período em relação aos charqueadores e ao charque, tema inesgotável, dizemos que charqueadores, embora tenham contribuído para o progresso da região, não passaram de pretensiosos na busca de um enriquecimento fácil, que visavam o seu próprio lucro. Qual idéia de dar progresso ao país em que viviam, um povo dominado pela colonização portuguesa? Era um pensar em si somente. A aparência da cidade opulenta, veio por acréscimo. Construir grandes e belos casarões, comprar luxo, fazer viagens à corte e à Europa, beneficiando-se do ganho fácil e mão de obra gratuita era um exclusivismo.
É bem verdade que um escravo lhe custava os olhos da cara. Mas o dinheiro esbanjava.
A charqueada, iniciativa que lhe cabe na criação desta indústria no Brasil meridional, foi uma solução econômica consentânea com as necessidades da época.
Atribui-se a José Pinto Martins, um português vindo do Ceará quem construiu a primeira charqueada no rincão de Pelotas. Se outro ou outros criaram charqueadas em outra região ou outras regiões, é de Pelotas que estamos falando e aqui, Pinto Martins foi pioneiro. E aqui fez, difundiram-se de tal maneira que surgiram mais de 40 charqueadas.É por isso que se diz que a História de Pelotas se inicia com a primeira charqueada porque é a partir dela que a cidade aparece como potência econômica.
Note-se que Pinto Martins surge no cenário da região um ano após a retomada de Rio Grande aos espanhóis em 1776 em conquista definitiva depois de longa e renhida luta onde consta ter sido, pela primeira vez, utilizado o combate anfíbio em águas do sul do Brasil, ainda que rudimentar.
Depois da guerra da conquista, as doações de sesmaria influíram não só no domínio com relação às coroas estrangeiras colonialistas, mas na própria composição da classe dominante, da oligarquia fundiária da região e de Pelotas. É claro, porém que o desenvolvimento regional, e mais especificamente o surgimento de Pelotas, dependeriam em larga escala do quase acaso que trouxe para essas paragens um português que aprendera no Ceará a técnica do preparo do charque. O fato influiu demais na Historia do Rio Grande do Sul, ainda que as condições aqui existentes de gado barato e farto, indústria do couro e não da carne, sejam indicativas de que de qualquer forma, a atividade saladeril surgiria e se fortaleceria no Sul do País. O local escolhido por José Pinto Martins e o sucesso de sua empreitada, aliados a outros fatores de menor importância é que determinaram, entretanto, o surgimento de Pelotas.
Foto de uma charqueada na costa do arroio Pelotas, presumivelmente a de Emílio Nunes
Uma charqueada demanda instalações como bretes, terraço para o abate, estacas de forquilha para a secagem das mantas, tanques de salga, zorras, bois de carga, embarcações, barricas de sal que vinham de longe e a caro custo, mão de obra forte.
Era através do charque estabelecido intercâmbio entre a região e o Centro e Norte do país. A procura do charque era grande e não bastava toda a produção possível naquela época para suprir as necessidades de um sempre crescente consumo, em concorrência com o bacalhau, segundo as exigências da introdução de escravos, em ondas avultadas, nas fazendas das capitanias do Norte e Centro do País. O crescente aumento de escravos que entravam precisava de alimentação. O charque supria esta falta e as charqueadas de Pelotas desempenhavam-se à custo do braço escravo que alavancou, com seu sangue, a economia dos grandes senhores.
A empresa de Pinto Martins foi além de suas previsões, frutificando em exemplo, promovia a valorização do gado que passava a ter uma cotação definida.
A difusão e o desenvolvimento da indústria causaram profundas alterações sócio-econômicas na região, como se sabe, e estão a olhos vistos no patrimônio deixado desde aquela época construído pelo braço escravo.
Sobreveio um rápido desenvolvimento, fortaleceram-se intercâmbios comerciais e depois intelectuais e criou-se uma aristocracia culta que repercutiu na construção de prédios em estilo clássico em desprezo às primitivas choupanas portuguesas e casas em estilo minhoto, modificando-se hábitos e costumes de seus habitantes. Em conclusão, o charque mudou a fisionomia de uma região inóspita, agreste, de barranqueiras e savanas, arroios e rios, com reduzido número de habitações. Este cenário poderia ter custado muito a se modificar não fosse a instalação das charqueadas que alteraram uma sequência natural telúrica, primitiva.
Aqui aparece, em foto recondicionada, a faina de enfardamento do charque numa
charqueada de Pelotas. Pela data, os trabalhadores eram já assalariados
O charque foi o primeiro produto exportado no Estado de 1912 a 1929, com exceção dos anos de 26 e 27, para os quais a posição é perdida para a banha. É nessa época que os charqueadores enfrentam os elevados custos atingidos pelo sal de Cádiz (sul da Espanha), e uma série de outros problemas sendo tudo isso agravado no contexto de crise em que se encontrava a pecuária como um todo. O imposto sobre o sal de Cádiz não foi retirado. Começava o declínio de uma atividade então fundamental para a economia pelotense.
Fonte: ZÊNIA DE LEÓN - Escritora/pesquisadora.
Muito bom seu artigo! Estou finalizando um artigo, cujo nome é o Potencial Gastronômico Catarinense, com ênfase na etnia dos gaúchos e tropeiros e o produto charque. Como gaúcha morando em SC, entendo que, é de suma importância pesquisas como estas, conhecer suas raízes e um produto tão grandioso como o charque.
Camilla Dias - Estudante universitária
Tubarão / SC
O charque ter se desenvolvido com base no trabalho escravo é, na verdade, uma triste marca que Pelotas carrega na sua história. Até hoje os negros são excluídos e a oligarquia decadente continua a ostentar.
Luisa Helena Gayer Vaghetti – Jornalista
Pelotas / RS
Parabens !! Excelente trabalho. Eu estou procurando informacao sobre as charqueadas do Uruguay, aqui no departamento de Treinta y Tres. Tinha al menos tres charqueadas e tres graserías mas solo funcionaron ate 1860-1870.
Carlos Maria Prigioni – Pesquizador Museo Nacional
Montevideo / Uruguay
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