[Índice da seção]

     O OBELISCO REPUBLICANO DOMINGOS JOSÉ DE ALMEIDA
     04/03/2013
     Maiquel Gonçalves de Rezende
     Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural – UFPel

    Como pensar uma política de preservação dos vestígios do passado escapando dos termos que muitas vezes balizam esse debate, tais como a valorização nostálgica de um tempo perdido, a sua promoção entusiasmada quando convertido em bem de consumo, a celebração do mercado dos seus vestígios ou a valorização do mesmo, como fonte para o turismo? É possível que sem contemplar, em alguma medida, um ou mais desses aspectos, o pensamento perca o seu objetivo, perca a razão do esforço que demanda. Mas na história das políticas de preservação há muito que contar. Para esses relatos, os aspectos da objetivação são desnecessários.
    Patrimônio, história e memória são temas que atualmente ocupam lugar de destaque na cena cotidiana da cidade de Pelotas. Outros assuntos pertinentes, como restauração, arquitetura e preservação, têm constituído um importante campo de trabalho, sendo (a cidade) um centro de iniciativas, ações e projetos que têm como eixo as discussões sobre memória e patrimônio, em suas diferentes formas de abordagem [1].
O primeiro monumento tombado em Pelotas foi o Obelisco Republicano Domingos José de Almeida. A leitura que se fez a respeito desse monumento é importante, tendo em vista o fato de ele representar o início de uma efetiva intenção política de patrimonialização no que tange às edificações e monumentos existentes na cidade. A partir dele são iniciados todos os outros processos de tombamento.
    Segundo registro de inventário elaborado na ocasião da inserção do monumento no Livro do Tombo Histórico do DPHAN, em 1955, feito pelo próprio Morais, o monumento, então denominado Obelisco Republicano Domingos José de Almeida [2] é constituído de um obelisco de alvenaria de aproximadamente 9 metros de altura sobre uma base de 2 metros. Na face principal existem duas placas de bronze, sendo a primeira delas com a seguinte inscrição: “Os republicanos de Pelotas recomendam aos viandantes a memória de Domingos José de Almeida – 20 de setembro de 1884”; a inscrição da segunda placa trata do seguinte tema: “Homenagem da Sociedade Agrícola de Pelotas e da Liga de Defesa Nacional no centenário da pacificação Farroupilha 3/3/1845 – 3/3/1945” [3]. Encontra-se, também, em destaque sob a forma de relevo, o escudo de armas da República Riograndense; na parte posterior estão destacadas as seguintes datas: “Novembro de 1855” [4] e “Março de 1856” [5]; do lado direito: “6 de Novembro de 1836” [6] e “Rio Grande do Sul – 1835” [7]; do lado esquerdo: “Minas Gerais – 1797” [8] e “15 de Outubro de 1822” [9].
Conhecido também pelo nome de Obelisco do Areal, o monumento foi erguido em homenagem à memória de um mineiro que fora adotado e acolhido pelos pelotenses. Estando localizado nas terras onde originalmente situava-se a Charqueada de Domingos José de Almeida, hoje dá nome à avenida que o circunda. Como Ministro da República Riograndense, Domingos José de Almeida destacou-se pela participação efetiva na elaboração da Carta Constitucional da República, implantada no Rio Grande do Sul em 1836.
     O processo de tombamento do Obelisco foi encaminhado por Morais em 1955, ano que marca a inscrição do primeiro bem tombado na cidade. A notícia do jornal Diário Popular assim reconheceu a importância com relação ao tombamento desse monumento:

O Senhor Henrique Carlos de Morais, perito em Belas Artes, do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, oficiou ao prefeito municipal, Sr. Adolfo Fetter, comunicando-lhe ter recebido do Dr. Rodrigo Mello Franco de Andrade, diretor geral do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o seguinte telegrama: “HENRIQUE CARLOS DE MORAIS – PELOTAS – COMUNICO-VOS QUE O OBELISCO DOMINGOS JOSÉ DE ALMEIDA FOI INSCRITO NO LIVRO DO TOMBO HISTÓRICO.  SAUDAÇÕES  RODRIGO MELLO FRANCO DE ANDRADE, DIRETOR DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL”.

O monumento em apreço foi erigido no ano de 1884 e inaugurado em 10 de abril de 1885, por iniciativa do Dr. Álvaro Chaves, em pleno regime monárquico, e é o único em todo o país, consagrado aos ideais republicanos [10].


Obelisco Republicano  Domingos  José de Almeida, 2008.
Fonte:  Foto do autor.

     Morais entendia o Obelisco não somente como uma construção antiga, mas como um objeto (documento) que exaltava o ideário republicano na cidade de Pelotas. Talvez seja possível dizer que esse Obelisco é um dos únicos (senão o único) monumentos, no Brasil, publicamente erguido em homenagem ao ideal republicano durante o regime monárquico. É um obelisco consagrado à memória de Domingos José de Almeida, votado pelos republicanos da cidade de Pelotas em setembro de 1884 e inaugurado em abril de 1885 pelo Partido Republicano de Pelotas, no ano em que a Revolução Farroupilha completava 50 anos [11].
      A imagem da figura 18 mostra uma parte do material que foi organizado por Morais com a finalidade de servir de suporte à pesquisa. Da esquerda para a direita tem-se uma ilustração de Domingos José de Almeida, logo em seguida uma fotografia da base do Obelisco, onde é destacado o gradil destruído que cerca o monumento; depois se vê um desenho feito pelo próprio Morais em que é representado a base do Obelisco; a quarta imagem mostra o Brasão da República Riograndense na parte frontal; e a última imagem apresenta o Obelisco em um plano mais distante. Nesta mesma pasta encontram-se vários negativos onde aparece o Obelisco em outros ângulos [12].


Imagens feitas e organizadas por Henrique Carlos de Morais.
Fonte: Arquivo Histórico da Biblioteca Pública Pelotense.

     As ações realizadas por Morais na salvaguarda do patrimônio em Pelotas poderiam, até mesmo, ser entendidas de maneira um tanto isolada, pois não havia ainda a consolidação de uma legislação e de uma política preservacionista na cidade. A legislação orgânica, subseqüente ao tombamento do obelisco, pode ser considerada herdeira do trabalho realizado a partir dos anos 1940, quando Morais foi nomeado para o cargo de conservador do MEC [13].
     Necessariamente, ações públicas de salvaguarda de bens patrimoniais necessitam de respaldo junto ao corpo social para que sejam efetivadas com sucesso. Contudo, a ideia que perpassa o início da sua inserção no percurso da ideia de patrimonialização, pode ser remetida ao ano de 1955, quando Morais, como agente credenciado pelo MEC e responsável por desenvolver em Pelotas a salvaguarda do patrimônio, insere o Obelisco Republicano Domingos José de Almeida no Livro do Tombo do DPHAN.
     Concomitante ao que ocorria no restante do pais, em Pelotas discutiam-se políticas de preservação do patrimônio histórico, desenvolvendo-se, também, um pensamento comparado e atrelado aos grandes centros urbanos, onde o debate frente a estas políticas estava extremamente avançado. Por outro lado, a noção social de institucionalização e preservação do patrimônio, referenciada por meio das Cartas Patrimoniais, como a de Atenas, por exemplo, que deu sustentação teórica à inclusão do conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade Ouro Preto, declarado como monumento nacional em 1933 e posteriormente tombado em 1938, repercutirá também em Pelotas. As Cartas Patrimoniais fundamentaram a política patrimonial no Brasil, sendo a cidade de Pelotas um lócus que absorverá o advento dessas políticas. A história do desenvolvimento da idéia de preservação na cidade tem Morais como um dos seus protagonistas, podendo-se ver, por meio de suas atividades, a tentativa de implementação do que estava sendo discutido em âmbito nacional, apesar de suas limitações teóricas.
      A partir dos anos 1980, Morais começa a retirar-se paulatinamente do cenário efetivo de proteção ao patrimônio em função de sua idade avançada [14]. Nesta fase de transição, sua vida caracterizar-se-á por uma produção voltada para a divulgação (nos jornais de circulação diária da cidade – Diário Popular e Diário da Manhã) de textos com caráter pretensamente científico.

___________________________________

[1] Um aspecto importante que vai fazer Pelotas avançar na defesa de seu patrimônio, sendo definitivamente inserida no percurso da preservação no Brasil, diz respeito ao programa Monumenta do Ministério da Cultura. O Monumenta é um programa de revitalização e recuperação do patrimônio cultural brasileiro e dos seus sítios urbanos. Despertando o interesse da população pelas questões patrimoniais, esse programa contempla e qualifica os anseios daqueles que se preocupam com a história da cidade. As investidas do Monumenta em Pelotas devem-se à instituição do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), concebido em 1991 através da Lei 8313, também conhecida como Lei Federal de Incentivo à Cultura ou Lei Rouanet. Pelas iniciativas do programa Monumenta, e também por uma intensa e substancial prática legislativa orgânica, pode-se dizer que hoje Pelotas está inserida na trajetória da preservação do Brasil.

[2] Inscrito no Livro Histórico em 14 de dezembro de 1955. Número da inscrição – 313. Número do processo - 0531-T-55.

[3] Essa placa não está no obelisco, pois foi roubada.

[4] Epidemia de Cólera Morbús em Pelotas.

[5] Domingos José de Almeida funda um hospital para as vítimas da Cólera Morbús.

[6] Data da batalha que culminou com a proclamação da República Riograndense e também a escolha de Domingos José de Almeida como o quarto nome na lista da vice-presidência.

[7] Ano de início da Revolução Farroupilha.

[8] Ano de nascimento de Domingos José de Almeida, em Minas Gerais.

[9] Data em que os pelotenses, por iniciativa de Domingos José de Almeida, comemoram a independência do Brasil.

[10] Texto extraído do Jornal Diário Popular, de 08 de janeiro de 1956.

[11] Notas referendadas por Henrique Carlos de Morais (Pasta CDOV – A/ HCM-028) e Jornal Diário Popular de 08 de janeiro de 1956.

[12] Material disponível na pasta CDOV – A/HCM 011.

[13] Em finais dos anos 1970 iniciam-se as tentativas do poder público municipal em fazer valer a preservação do seu patrimônio histórico. No ano de 1978 houve um encontro em Pelotas para discutir as questões que permeavam a constituição do seu patrimônio e as políticas de preservação. Esse encontro possibilitou a elaboração de um documento chamado Carta de Pelotas. Sobre a Carta de Pelotas, Renato Duro Dias diz que é possível “afirmar que a Carta de Pelotas é uma referência, a partir dela o Poder Público Municipal de Pelotas mobilizou seu aparato com o fim de rever o seu conjunto normativo [...]” (DIAS: 2009, p. 20). Para mais detalhes ver: DIAS, Renato Duro. Um olhar jurídico-multidisciplinar sobre a preservação do patrimônio cultural edificado na cidade de Pelotas. Dissertação de Mestrado – Curso de Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural - Universidade Federal de Pelotas. Pelotas:  ICH-DHA-UFPel, 2009.

[14] De uma forma efetiva, é possível reportar o início das práticas legislativas de Pelotas (ou pelo menos o trabalho de cunho prático), referente à proteção do patrimônio histórico, à Lei 2565/80. Esta lei foi um dos desdobramentos da Carta de Pelotas de 1978. O texto institui o II Plano Diretor, objetivando, dentre outras tantas coisas, o desenvolvimento social e cultural da cidade. Apesar de ser uma legislação bastante específica, tratando de questões referentes ao planejamento urbano, com objetivo de promover a racionalização do espaço, o Art. 4º da presente lei definiu as metas do plano.  Segundo o texto da lei, tem-se: a) distribuição racional das atividades e das densidades populacionais na área urbana; b) a estruturação do sistema viário urbano; c) a distribuição espacial adequada dos equipamentos sociais; d) controle e preservação da qualidade do meio-ambiente; e) a proteção do patrimônio histórico e cultural do município.

 

          Nenhum comentário até o momento.

Atenção: (*) indica preenchimento obrigatório!

Nome completo*:
(sem abreviar)
Profissão*:
Cidade*:    Estado*:
Email*:
(seu email NÃO será divulgado)
Comentário*:

 

[Índice da seção]
Webdesign e hospedagem por AMS Public