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NAQUELE DIA OS BURROS VOLTARAM PARA CASA MAIS CEDO
18/07/2015
Zênia de León |
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Os bondes puxados a burros transitavam na cidade desde 1870. Em bondes especiais se ia a locais de festas no Parque Pelotense, na Igreja da Luz e na Matriz, ao teatro no Areal, a recepções na Estação Férrea e no Porto, clube Naútico Pelotense, ao parque Ritter, no Bosque Bolonha, no Bosque Champs Elisés, no Prado. O bonde que levava a Banda União Democrata ostentava uma enorme clave de sol na fachada (“no focinho do bonde”) que identificava o serviço que estava sendo prestando à comunidade. Tudo era motivo de alegria. Mas o povo, ah o povo...quando sentiu que estava para chegar o bonde elétrico e instalava-se a Light, começou a criar um clima de insatisfação. Repúdio aos bondes e aos burros. Fez-se comícios e passeatas. Houve várias implicações. Alguns passageiros de um bonde que se dirigia ao Prado Pelotense tiveram ímpetos de descer do veículo no meio do caminho não suportando o deplorável estado de fraqueza em que se encontravam os animais que puxavam o carro. Movido pela visão de intolerância humana, o jornalista J. Vilarinho criou a Sociedade Protetora de Animais, sem, entretanto, ter resolvido os problemas. Também o rebenque dos desumanos cocheiros da Ferro Carril continuava agindo.
E os bondes ingleses custavam a chegar. A diretoria da Ferro Carril e Cais de Pelotas precipitadamente, comunicou ter suspendido o tráfego de todos os seus carros em todas as linhas da cidade. A companhia contava com 121 muares, e só para o parque Souza Soares partiam bondes de 20 em 20 minutos, incluindo quatro bondes de dois andares. Durante o dia os bondes carregavam multidões de pessoas. Mas, o descontentamento popular aumentava.
A Companhia Ferro Carril viu-se acossada. Afinal, ela sempre dera um cunho de conforto à cidade, mesmo com o pachorrento andar dos burrinhos, impulsionava o comércio e levava o povo para onde ele queria nas diversas linhas dos diversos bairros da cidade.
Começaram as manifestações públicas, descontentamento geral. A suspensão do tráfego da Ferro Carril provocou atos de violência daqueles que estão de prontidão para desordem. O povo deu-se conta de que necessitava do transporte, mesmo que precário, sendo ineficiente, “reles” e “ordinário”, ainda era o que existia. Mas, a Light and Power do RS começava a instalar-se para trazer luz às ruas e às casas, a força nas fábricas e os novos bondes elétricos, rápidos e limpos, confortáveis, elegantes...
Quando o Dr. Intendente municipal, sem esperar decisão judicial fez com que se levantassem e cortassem os trilhos, com apoio das forças policiais, a Ferro Carril se viu assediada. Depois de um comício pacífico e ordeiro, houve protesto radical contra a Ferro Carril e foi o estopim. O vandalismo começou. Tomou a rua 15. A massa desnorteada gritou: - Aos bondes! E Iniciou o quebra-quebra e o incêndio dos bondes. Primeiro soltavam os burrinhos que saiam por sua vontade direto para as cocheiras na margem do arroio Santa Bárbara, na altura da rua 3 de Maio. Já conheciam o caminho. Rumo à liberdade!
Depois, os desordeiros empurravam o bonde até virar. E vinha o homem com uma lata de querosene a jorrar sobre o bonde. Foram ao depósito, tiraram 27 bondes enfileirados para a saída, retiraram-nos e os distribuíram pela cidade onde foram queimados. Até os lampiões de gás foram violados para a retirada de querosene durante o trajeto. Carros destroçados por pedradas ou arderam em chamas em muitas ruas da cidade, desde a rua Felix da Cunha, Mal. Floriano, Anchieta, praça Sete de Julho. Quatro bondes foram levados até à Ponte de Pedras e de lá jogados para dentro do arroio, em chamas. Imagens dantescas são descritas nas páginas dos jornais antigos nas quais os bombeiros não davam vencimento de atender todos ao mesmo tempo, pela cidade. Uma violência que durou até às três horas da madrugada.
Dia 14 de dezembro de 1914. O dia em que os burros da Carril em Pelotas foram dormir mais cedo.
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