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     Padre Felício Joaquim da Costa Pereira, primeiro pároco de Pelotas, nasceu em 4 de agosto de 1777 em Buenos Aires e faleceu em 11 de outubro de 1818 em Pelotas.


     Seguir o roteiro épico da família do Padre Felício equivale a relatar a história das lutas travadas por Espanha e Portugal na conquista das terras da banda oriental do Rio da Prata, mais precisamente a história dos portugueses na Colônia do Sacramento.

Antecedentes na Colônia do Sacramento

Século XVII

    Portugal viveu de 1580 a 1640 sob o domínio de Espanha regido pela casa de Habsburgo. Descontentes com a política fiscal, nobres portugueses iniciaram uma rebelião conhecida como Guerra da Restauração, iniciada com a escolha do Duque de Bragança para Rei de Portugal, em 1º de dezembro de 1640, iniciando assim a quarta dinastia portuguesa. A campanha contra Espanha para consolidar a independência durou 28 anos, quando em 1668 foi assinado o tratado de paz e reconhecida a independência.
     Com a Guerra da Restauração, Portugal tendo mergulhado na crise econômica motivada dos elevados gastos e do clima de inquietação social retardou a por em prática sua geopolítica na América portuguesa visando estender seus domínios até o Rio da Prata. Todavia, em 22 de janeiro de 1680, Dom Manuel Lobo, governador e capitão-mor da capitania do Rio de Janeiro, chefiando expedição militar aporta na costa oriental do Rio da Prata em frente a Buenos Aires. Inicia o estabelecimento da Colônia do Sacramento com o erguimento de uma fortificação em território dominado por Espanha. Iniciava, então, um largo período de 148 anos marcados por conflitos militares e diplomáticos com alternância de domínio, cinco vezes português e quatro espanhol. Os esforços diplomáticos para por fim na disputa chegaram a formalizar sete tratados, mas nunca alcançaram eficácia duradoura, pois eram sistematicamente descumpridos.

 

 

 

 

 

 

 

Século XVIII

     Depois de 25 anos da sua fundação, a Colônia do Sacramento ficaria pela terceira vez sob domínio espanhol de 1705 a 1715, quando ao final deste período seria devolvida à Portugal, conforme o Segundo Tratado de Utrecht.  Logo após, parte para Colônia o navio Santo Thomás levando 60 casais portugueses para reforçar o povoamento, porém em 10 de fevereiro de 1718 a navio naufraga perto de seu destino. Entre os sobreviventes deste infortúnio estavam Vicente Pereira e Madalena Martins Pinto de Mesquita, oriundos de Alfândega da Fé, no distrito de Bragança, casados no ano anterior em Portugal, e futuros avós maternos do Padre Felício.
      Na Colônia do Sacramento nasceram todos os filhos de Vicente e Madalena:
- Bernarda Luiza (1721) casou-se (1748) com Manuel Félix Corrêa (1715), paulista de Guaratinguetá;
- Maria (1722) casou-se (1738) com João de Almeida, português da Vila de Sátão, no distrito de Viseu;
- Antônia casou-se com Amaro Dias dos Santos;
- Pedro (1729) não casou;
- Luiza não casou;
- Antônio (1736) não casou;
- Ana Josefa, a filha mais moça, nascida em 5 de setembro de 1741, casou-se em 16 de junho de 1773 com Félix da Costa Furtado de Mendonça, nascido em Saquarema no Rio de Janeiro, era alferes de ordenanças da Capitania do Rio de Janeiro onde moravam seus pais José Antônio da Costa Soares e Ana Maria Furtado de Mendonça, futuros avós paternos do Padre Felício. O alferes Félix, descendente de família abastada, foi à Sacramento em missão militar, onde conheceu Ana Josefa. Em 1774 nasceu o primeiro filho do casal, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça.
      Os dois filhos homens tornaram-se padres. Pedro Pereira Fernandes de Mesquita nascido em 1729, pasou a infância na Colônia. Aos 13 anos estava no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro até 1748, ano em que se transferiu para a Universidade de Coimbra, onde formou-se em Cânones em 1752. Retornando ao Brasil, ordenou-se padre e foi nomeado pelo Bispo do Rio de Janeiro como capelão militar da guarnição da Colônia do Sacramento, onde nascera. Em virtude se sua formação na Universidade de Coimbra ficou conhecido como Padre Doutor. Sobre o outro filho, Antônio Farias Fernandes de Mesquita nascido em 1736, não se sabe onde e como ocorreu sua formação escolar. Sabe-se apenas que em 1761 foi ordenado padre em Buenos Aires, fato que nos leva a crer que sua juventude e seu sacerdócio inicial tenham se desenvolvido na Colônia do Sacramento.
      Enquanto isto, no lado de Espanha, D. Pedro de Cevallos governador da Província de Buenos Aires de 1757 até 1766, se distinguiu nas disputas territoriais com Portugal. Sob seu comando os espanhóis conquistaram em 1763 a vila de Rio Grande e aqui ficaram até 1776 quando foram expulsos pelo contingente português sediado em São José do Norte.
      Em 1776 a Espanha se dá conta da necessidade em expulsar os portugueses do Rio da Prata, quando decide pela criação do Vice-Reinado da Prata, tendo como capital a cidade de Buenos Aires. Como primeiro vice-rei é nomeado Pedro de Cevallos que monta em Espanha um importante aparato militar e em outubro inicia seu retorna à Buenos Aires. Pelo caminho marítimo, em fevereiro do ano seguinte, 1777, apossou-se da Ilha de Santa Catarina; em abril chega a Montevideu na chefia de um contingente que foi aumentado com guaranis, totalizando mais de 9 mil homens. Daí, parte por terra e por mar para cercar e ocupar a Colônia do Sacramento em 2 de junho de 1777. Em seguida, parte para reconquistar a vila do Rio Grande, perdida para os portugueses em abril do ano anterior, mas no meio do caminho foi informado do acordo de paz entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Santo Ildefonso. Então muda de rumo e dirige-se para Buenos Aires, onde tomou posse do cargo de vice-rei em outubro.
      A partir da ocupação espanhola, a Colônia do Sacramento foi pilhada, esvaziada e destruída. Os oficiais portugueses com suas famílias foram embarcados para o Rio de Janeiro; os soldados foram deportados para a região de Córdoba na fronteira com os territórios indigenas; os paisanos e suas famílias foram desterrados e dispersos para povoados nas cercanias de Buenos Aires, porém proibidos de entrarem na cidade; os escravos, declarados livres por Pedro de Cevallos, se evadiram para Maldonado e arredores de Montevideu.

      Nesta dispersão forçada e apressada do povo da Colônia do Sacramento, o que aconteceu com as famílias da Costa e Pereira? São poucos os registros confiáveis. Apenas são feitas conjecturas de prováveis fatos que justifiquem um encadeamento logico dos acontecimentos conhecidos.
      Desta forma, o alferes Félix da Costa Furtado de Mendonça, como oficial militar que era, teria sido embarcado com destino ao Rio de Janeiro. Quanto à sua mulher Ana Josefa, grávida de sete meses e com seu filho Hipólito José de três anos, foi deportada para Buenos Aires, onde teria permanecido juntamente com seus irmãos. Pois, em 4 de agosto de 1777, ainda em Buenos Aires, Ana Josefa deu à luz seu segundo filho Felício Joaquim.


      Em 1º de outubro de 1777 é assinado o Tratado de Santo Ildefonso com o objetivo de encerrar a disputa pela posse da Colônia do Sacramento. Neste acerto, a Colônia do Sacramento ficou com a Espanha, a Ilha de Santa Catarina foi devolvida a Portugal e todos os desterrados deveriam ser repatriados. Sabe-se que o irmão de Ana Josefa, o Padre Doutor, em 1778 ainda estava em Buenos Aires, provavelmente junto com os demais parentes. Neste ano, o Padre Doutor escreveu em Buenos Aires a “Relação da Conquista de Colônia”, documento que narra as desventuras do desterro do povo da Colônia sem fazer referência aos seus familiares. É desconhecida a data da transferência desta família para Rio Grande, há pouco tempo reconquistado por Portugal. Das irmãs de Ana Josefa não se tem notícia de seus destinos.

Em Pelotas

      Com a expulsão dos espanhóis de Rio Grande em 1776 e a partir do Tratado de Santo Ildefonso de 1777, que reconhecia o domínio espanhol na Colônia do Sacramento conquistada por Pedro de Cevallos, Portugal desenvolveu uma política de incentivo ao povoamento e ocupação estratégica do interior do Rio Grande.
      Nesta época, motivado pela perspectiva de paz no sul do Brasil e pela fartura de gado bovino, o português José Pinto Martins inicialmente radicado no Ceará na atividade saladeiril vem para Rio Grande e instala em 1780, à margem direita do Arroio Pelotas, a primeira charqueada industrial que daria início ao desenvolvimento socioeconômico da região e resultaria mais tarde na urbanização de Pelotas. Pelo feito, Pinto Martins é considerado o fundador de Pelotas.
      Rapidamente as charqueadas se multiplicaram às margens do Arroio Pelotas, do Canal de São Gonçalo e do Arroio Santa Bárbara impulsionadas pelos pioneiros do povoamento, muitos dos quais repatriados da Colônia do Sacramento. Dentre os repatriados, o alferes Félix da Costa Furtado de Mendonça, acompanhado da mulher Ana Josefa Pereira e seus dois filhos Hipólito José e Felício Joaquim, e seus cunhados Padre Doutor Pedro Pereira Fernandes de Mesquita e Padre Antônio Farias Fernandes de Mesquita.
      Sabe-se que nesta época Félix juntamente com seu cunhado, o Padre Doutor, fundaram a estância Sant’Ana, “nos campos da Vila do Rio Grande, na parte setentrional do sangradouro da Lagoa Mirim”, mais tarde município de Pelotas, hoje Capão do Leão. Terras concedidas por Dom José Luís de Castro, 2º Conde de Resende e 5º Vice-Rei do Brasil, conforme registros em cartas de sesmarias tiradas mais tarde, em 1794. A estância Sant’Ana confrontava no sudoeste com a Estância do Pavão, uma das sete primeiras estâncias ao norte do Canal São Gonçalo, concedida a Rafael Pinto Bandeira, o primeiro caudilho riograndense. A provável estadia de Félix no Rio de Janeiro teria facilitado a concessão destas terras por reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo alferes e pelo capelão militar na Colônia do Sacramento e de acordo com o interesse do vice-reinado em povoar o interior do Rio Grande.
      A 22 de novembro de 1780, quando Hipólito José contava 6 anos e Felício Joaquim com 3 anos, Ana Josefa tem o seu terceiro filho, José Saturnino, provavelmente na estância Sant’Ana e registrado na paróquia do Rio Grande.
      Estabelecido na região, o alferes Félix foi designado para comandar uma Companhia de Ordenanças, a primeira força militar organizada em Pelotas em 1784.
      O Padre Doutor foi nomeado 8º pároco e Vigário da Vara de Rio Grande em 1º de setembro de 1783. Deixou a paróquia em 1793 e continuou como Vigário da Vara até 1805. Do outro irmão de Ana Josefa, Padre Antônio, há registro de que em 1784 estava na paróquia da Aldeia dos Índios, atual Gravataí, e logo a seguir em 1786 foi nomeado 4º pároco de Mostardas. Doente, recolheu-se junto a seu irmão em Rio Grande onde faleceu em 1790.
      O desenvolvimento dos filhos de Félix e Ana Josefa sempre contou com sólido apoio intelectual, moral e financeiro do tio Padre Doutor. Esta formação garantiu destacada participação dos três sobrinhos em suas diferentes carreiras, pontilhadas por gestos pioneiros, de liderança, aventura e bravura, lembrando os feitos de seus antepassados na Colônia do Sacramento. Desta forma, as páginas mais festejadas da saga dos Pereira de Mesquita e dos da Costa ainda estavam por ser escritas no século seguinte.

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