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     SANEAMENTO: CABUNGOS E TIGRES
     21/01/2016
     Carlos Lhullier da Cunha

     Em 1871 iniciou-se tecnicamente o saneamento de Pelotas. Em 1912 já havia rede de esgoto cloacal na área central, o que hoje pode ser constatado nas tampas de caixas de passagem nos passeios públicos. Em 1916 foi concluída a primeira rede coletora de esgoto cloacal.

     A rede foi ampliada com o passar dos anos, construídas estações elevatórias, sendo os dejetos lançado no São Gonçalo, no início da Tiradentes, nas proximidades do antigo embarcadouro de balsas. Mas, como ainda hoje, nem toda a cidade era provida de tal serviços, valendo-se de fossas sépticas e sumidouros, dos poços negros, que permanecem em vários locais, e do recolhimentos de recipientes com dejetos fecais – os cabungos - que atualmente não mais existem, pois foram totalmente desativados a partir de 1973.
      Vale lembrar que os vasos sanitários de porcelana de uso universal na atualidade, não eram de plena utilização no passado. Eram importados, geralmente ingleses, e recebiam a denominação ainda usada de patente – corruptela do patented by “nome do fabricante”, gravado no interior do vaso.
      Era usual o uso da “casinha”, construída no exterior da habitação principal, preservando-a dos odores. Na mais comum, era feita uma escavação de conveniente profundidade e coberta com uma tampa de madeira com um furo. Sobre este assentava-se o vivente para “obrar” seus dejetos, que se acumulavam na escavação, onde se degradavam biologicamente em ambiente aeróbico , daí a expressão “poço negro”. Alguns poços eram revestidos com alvenaria .Após certo tempo, era feito um novo poço em outro local , removidos os resíduos e levados para outro lugar ou lançada uma camada de cal viva, permanecendo no mesmo local. Tais procedimentos induziam a previsão de um corredor lateral permitindo o acesso direto à via pública.
      Posteriormente surgiram as fossas sépticas construídas em alvenaria ou em concreto, onde se produz a degradação parcial da matéria orgânica em ambiente anaeróbico, mais eficiente e saudável que a feita pelos “poços negros”. Seus dejetos, ainda não totalmente degradados e poluidores são conduzidos aos coletores cloacais, aos sumidouros ou lançados diretamente no meio-ambiente em valetas.
      Os sumidouros são estruturas de volume superior ao das fossas, onde tem prosseguimento a degradação. São permeáveis, passando ao solo a parte liquida resultante da degradação e acumulando a parte sólida. Para que a absorção ocorra é necessário que solo seja permeável, pois caso seja impermeável funcionará como uma outra fossa , com alto potencial poluidor. É o caso dos solos argilosos de Pelotas, em as águas são dirigidas às valetas pluviais. Além de sumidouros podem ser utilizadas valas de infiltração, exigindo maiores áreas disponíveis para sua utilização.

     E os cabungos ? Eram peças cilíndricas ou tronco-cônicas, tambores de madeira ripada para vedação, com tampa superior móvel. Dispensavam o poço negro e a fossa, exigindo, entretanto a remoção e a troca do recipiente repleto de dejetos. Nos terrenos alagadiços, de várzea, era uma solução conveniente. Os tambores, também chamados de “cubos”, eram transportados em carroças até o local de despejo, sendo o serviço essencialmente poluidor e potencial contaminador de doenças, realizado pelos “cabungueiros”. Comum que com a trepidação e buracos das ruas, vazasse a imundície, sujando  ainda mais os responsáveis pelo transporte. A pele e as vestes enodoavam-se com listras de matizes amareladas e marrons, lembrando zebras e mais maldosamente os tigres.

     Segundo meus tios Mozart e Francisco, decorrente da aparência e do estado imundo os servidores eram estigmatizados como “tigres” e a gurizada de gozação e bullying, que sempre existiu, lançavam o grito “Lá vem o tigre!” para denegrir o cabungueiro ou algum piá que se borrasse, mesmo que de medo.

     Já cabungueiro era atribuído a alguém de parcas condições a quem restava somente recolher as imundícies dos outros. Ou de brincadeira, chamando assim colegas de outras cidades, desconhecedores do nome, e que ficavam, sem entender, com olhar absorto, a risada da turma.

          Kkk, eu tinha um vizinho que tinha esse sistema em 60, quando morava no Fragata. Era muito engraçado, eu e meus amigos ficávamos na esquina e quando eles recolhiam o cabungo, gritávamos "marmelada marca peixe". Coisas de guri da época. Aí, tínhamos que fugir, pois eles saiam atrás de nós pra atirar cocô . Hahaha! Tínhamos na média 10 anos de idade. Éramos 4. Bah, 3 já se foram.
          Esqueci um detalhe, os caminhões e cabungos eram lavados no São Gonçalo e a população ribeirinha lavava as panelas no mesmo lugar. Assisti quando atravessava de balsa para Rio Grande de carro com meu pai. No fim da rua ou início da Tiradentes.
Miguel Norberto Silva Pinto - Professor
Pelotas / RS

          Artigo muito interessante!
Angela Maestrini - Engenheira Civil
Pelotas / RS

          Eu adorei o artigo!!! Ainda tenho lembrança dos cabungos... Até que ano eles existiram?
Doralice Meyer - Engenheira Civil
São Lourenço do Sul / RS

          Excelente artigo porque registra fatos marcantes da vida comunitária, usos e costumes na época do início do saneamento da cidade. Além disto, ao mostrar às novas gerações os horrores dos cabungos, por via indireta faz a devida valorização do saneamento moderno.
E é oportuno, quando se comemora o centenário da conclusão da primeira rede coletora de esgoto cloacal construída entre 1912 e 1916.
           Segue um comentário visual com exemplares das tampas dos poços de visita, ventiladores e caixas de calçada usados na primeira rede e encontrados na zona central da cidade.

Pedro Luís Monti Prietto – Engenheiro Civil
Pelotas/RS

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